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Racismo

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O racismo é uma forma de preconceito ou discriminação motivada pela cor da pele ou origem étnica. Devemos, no entanto, nos atentar para uma distinção conceitual importante: racismo, discriminação e preconceito não são, exatamente, a mesma coisa.

Preconceito é um julgamento sem conhecimento de causa, ou seja, julgar algo ou alguém sem antes conhecer. Discriminação é o ato de diferenciar, de tratar pessoas de modo diferente por diversos motivos. 

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Imagem: Defensoria Pública do Ceará

Combate ao racismo estrutural em investigações policiais : Reconhecimento Facial um longo percurso a ser construído
Por : Esther Moraes

Sistema de reconhecimento facial gera erros
Sistemas de reconhecimento facial não podem ser usados como únicos instrumentos para prender ou embasar outras medidas de processo penal. É preciso ressaltar que as ferramentas de inteligência artificial empregadas em tais programas costumam ter vieses racistas e gerar medidas incorretas, de acordo com especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.
Um dos erros mais comuns é o cruzamento de dados de indivíduos. Este tipo de erro acontece porque não há uma constante atualização no banco de dados para que se possa obter resultados precisos e uma melhor estruturação do sistema utilizado.
No Brasil, é recente a utilização deste método para investigação. Mas já há projetos de lei na Câmara dos Deputados visando maior segurança e fiscalização da ferramenta.
Segurança pública e direitos fundamentais
Como podemos equilibrar a segurança pública com a proteção dos direitos fundamentais em um mundo cada vez mais dominado pela tecnologia de reconhecimento facial? De acordo com Geraldo Prado, investigador integrado ao Instituto Ratio Legis da Universidade Autônoma de Lisboa e consultor sênior do Justicia Latinoamérica (Chile), “com frequência, os enviesamentos da ferramenta digital são encobertos por uma ‘neutralidade’ irreal, inexistente e racista. Mas também são indevidamente usados em outros âmbitos, como o das cautelares patrimoniais, por causa da confiança ‘cega’ que muitos juízes criminais depositam em relatórios produzidos com emprego de aplicações de IA por sujeitos interessados na persecução penal. Isso provoca prejuízo a quem suporta as medidas cautelares, pessoas que são incapazes de, em tempo razoável, auditar informações massivas que respaldam providências em incidentes sobre bens, entre outros”.
Ainda para Prado, “Jurisdição penal deveria ser sinônimo de cuidado, desconfiança do poder, respeito ao contraditório e indelegabilidade de poder às máquinas". Quando as operações de sistemas de reconhecimento facial são suficientes para prender alguém, as máquinas passam a ser os juízes de fato”.
Mau começo    

A Rede de Observatórios de Segurança monitorou, entre março e outubro de 2019, as experiências iniciais de cinco estados brasileiros com tecnologias de reconhecimento facial mediante câmeras de segurança: Bahia, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Paraíba e Ceará. A entidade identificou que 90,5% dos presos por monitoramento facial no Brasil são negros. Ou seja, o reconhecimento facial pode servir para perpetuar o racismo. Portanto, é necessário debater o uso dessa tecnologia, ressaltando os riscos de violação de direitos da população mais vulnerável.

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Documentário Coded Bias da Netflix ( Foto: Reprodução )

Inteligência artificial e algoritmos enviesados
Genira Chagas*

Com a pesquisa intitulada IA e algoritmos enviesados: As dimensões do viver na sociedade 5.0, a publicitária Liliany Alves Samarão buscou problematizar o conceito de “algoritmos enviesados,” ao apontar que eles não são neutros e podem carregar vieses que impactam a sociedade. O estudo, apresentado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), foi orientado pela professora Helena Katz. “Os vieses podem incorporar preconceitos relacionados a gênero, raça, idade ou aparência. O enviesamento pode estar fundamentado em estereótipos, avaliações subjetivas e preconceitos preexistentes,” argumenta a pesquisadora.
Para Liliany, nessa sociedade 5.0, em que o modelo organizacional social passa a ser majoritariamente baseado em tecnologias, como a inteligência artificial, torna-se imprescindível entender questões éticas, como transparência, privacidade, responsabilidade e vieses algoritmos, que se tornaram mais urgentes à medida que a IA se torna uma teia ainda mais integrada à vida cotidiana. “O mundo online é feito por resultados gerados por algoritmos,” explica a autora.
Mas o que é um algoritmo? Em sua pesquisa Liliany resume como sendo “uma sequência única de etapas obrigatórias para realizar qualquer tipo de cálculo ou um conjunto de etapas para realizar uma tarefa. Assim, algoritmos são processos de passo-a-passo para se resolver um problema. À medida que novos comandos e possibilidades de uso aparecem, os níveis de comando de um algoritmo se tornam mais sofisticados e complexos. Os algoritmos são projetados para serem automáticos e funcionarem sem qualquer intervenção humana”. 
Segundo o estudo, os algoritmos conhecidos pela sigla GAFAM (Google, Amazon, Facebook, Apple e Microsoft) se destacam pelo impacto que têm na sociedade, por serem considerados os principais algoritmos do mercado. Apesar disso, pouco sabemos sobre como eles são: como foram desenhados e como foram instruídos pois são considerados propriedade intelectual das empresas.
Vieses preconceituosos – “Importante destacar que a escolha de trabalhar e pesquisar o termo ‘algoritmos enviesados’ e não ‘racismo algorítmico’ ou ‘preconceito algorítmico’ foi para fugir do lugar comum das pesquisas sobre IA,” destaca Liliany, que lembra que os preconceitos podem ser codificados nas máquinas, apresentando como produto final um algoritmo enviesado. 
Citando a palestrante Sara Wachter-Boettcher, Liliany comenta o caso de Jacky Alciné.   Ele percebeu que o Google Photos tinha feito uma categorização de suas imagens de acordo com o que havia nelas: arranha-céus, aviões e carros. “A IA do Google categorizou e acertou em todas essas fotos,” conta a autora. A próxima categorização foi de “gorilas”, que continha fotos de Jacky e uma amiga, em um show. “O Google fez uma categorização usando um termo historicamente racista para descrever pessoas pretas: Jacky e sua amiga são pretos. Esse caso ficou famoso, na época, como um caso de racismo algorítmico”. Liliany conta que, mesmo com toda a repercussão, o Google só consertou o algoritmo três anos depois, apenas removendo o termo gorilas dessa rotulagem de imagens. “Ou seja, o Google impediu que seus algoritmos de reconhecimento de imagem fossem treinados para identificar com precisão o termo ‘gorilas’. A IA do Google não foi ensinada a reconhecer pessoas pretas como pessoas pretas e não como gorilas; foi somente programada para não reconhecer e categorizar gorilas – o que, naquele momento, consertaria o problema de forma mais rápida, uma vez que ensinar a máquina demandaria tempo e precisaria de milhares de exemplos para que todos os tipos possíveis de erros fossem detectados,” enfatiza. 
Em 2021, repetindo o que o Google havia feito, associando pessoas pretas à chipanzés, a IA do Facebook que gera vídeos automáticos incluiu uma etiqueta de “primata” em um vídeo de um homem negro. Ainda em 2021, uma pesquisa feita com 1.270 rostos, o algoritmo de reconhecimento fácil que se saiu melhor tinha uma precisão de 100% para homens de pele mais clara e de 79,2% para mulheres de peles mais escura. O que teve pior desempenho reconhecia homens de pele mais clara com 99,7% de precisão, e mulheres de pele mais escura com 65,3%.
Diante de exemplos importantes sobre ‘algoritmos enviesados,’ a pesquisadora pergunta: Mas como esses algoritmos se tornam problemáticos? É nesse momento que entra a não neutralidade. “Se a máquina é alimentada com dados que refletem preconceitos históricos, os vieses serão vistos nos resultados da sua atuação. Algoritmos trabalham seguindo regras e a lógica da sua programação. Se os dados usados para criar as regras estão enviesados, o resultado do algoritmo vai refletir isso,” avalia. Muitos dos problemas têm muito mais relação com as informações históricas do que, necessariamente, com os algoritmos.
Tratar os vieses para além de bugs, é necessário olhar além das máquinas, para quem está por trás delas, desenhando, treinando, criando algoritmos. Para que os vieses desaparecessem, os engenheiros que arquitetam um modelo de IA teriam de deixar seus próprios preconceitos de lado e trabalhar a forma de lidar  com eles. “O problema não começa no algoritmo, mas nos valores que fundamentam a maneira como o algoritmo foi desenhado,” diz Liliany.
Os problemas sociais causados por ‘algoritmos enviesados’ tendem a se repetir em razão de fatores como falta de diversidade da indústria de tecnologia. Liliany cita que, anualmente, o AI Now Institute libera relatórios com os principais assuntos que envolvem a IA no mundo. No relatório de 2019, a empresa destaca que mais de 80% dos professores de IA nos EUA eram homens. No Facebook, por exemplo, apenas 15% dos pesquisadores de IA eram mulheres. No Google, essa porcentagem cai para 10%. Os resultados ficavam ainda piores para pessoas de pele escura: apenas 2.5% dos trabalhadores do Google eram negros, enquanto no Facebook e na Microsoft o número ficava em 4%. “A falta de diversidade impede leituras mais amplas dos dados, deixando as informações preconceituosas serem aprendidas pelos algoritmos. Menos negros, menos mulheres, menos pessoas LGBTQIAP+, menos dados sobre esses grupos serão ensinados às máquinas,” diz. Além do aprendizado das máquinas, a regulamentação da indústria de tecnologia é uma forma de torná-la mais democrática e de limitar os poderes econômicos e políticos que elas acumulam. Diante dos problemas causados pela IA, diversas associações desempenham papel fundamental, oferecendo à academia, aos governos, às empresas e à sociedade, informações sobre IA, seu uso e impacto, ajudando na formulação de políticas, diretrizes e regulamentos visando sua melhor utilização. “São essas investigações que podem ajudar a apontar caminhos e soluções, e também auxiliam a tirar das mãos de poucos o conhecimento sobre IA,” enfatiza a pesquisadora.
No Brasil já existem legislações como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e o Marco Civil da Internet que regulamentam o uso da tecnologia. Com relação a IA, o Senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG) apresentou o projeto de lei 2338/2023 que cria regras para os sistemas de IA e estabelece os direitos das pessoas afetadas pelo seu funcionamento. De acordo com o PL, os sistemas de IA brasileiros terão que passar por uma avaliação preliminar feita pelos próprios fornecedores – que deverão classificá-los de acordo com o risco que oferecem, seu potencial de impacto negativo no que diz respeito a direitos e liberdades, a possibilidade de causar dano material ou moral ou de ter danos discriminatórios ou mesmo afetar um grupo de pessoas vulneráveis (como crianças, idosos ou pessoas com deficiência). Sempre que a IA for considerada de alto risco, será obrigatório fazer uma avaliação de impacto algorítmico.
Como enfatiza a pesquisadora durante a escrita de sua tese, a causa raiz de vieses preconceituosos na IA são os humanos, os que desenham todo o processo e, sobretudo, aqueles que escolhem como a IA vai ser usada em pessoas. “Pensar na sociedade em tempos de IA envolve um diálogo amplo e inclusivo entre cientistas, políticos, empresas, acadêmicos e a sociedade em geral. O futuro da IA é promissor, mas também, como vimos, traz consigo responsabilidades e desafios que precisam ser enfrentados para garantir seu uso ético e seguro. A colaboração e a abordagem proativa podem ajudar a moldar um futuro no qual a IA seja um catalisador positivo para a construção de sociedades mais justas,” conclui Liliany.

Genira Chagas é jornalista e doutora em Ciência Política pela PUC-SP

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Imagem: CEDEM/ASMOB

“Uma democracia sem negros”

*Genira Chagas

A história a seguir aconteceu nos Estados Unidos, em setembro de 1947, e foi então repercutida pela Associated Press. Aqui no Brasil foi publicada pelo jornal Correio da Manhã com o título “Por motivos de cor.” Também o periódico alternativo Panflêto, edição 16 da primeira fase, publicada na quarta semana de 1947, fez uma crítica do episódio, intitulada “Uma democracia sem negros”.

Em tom de ironia, o autor, Barbosa Melo, destacou a democracia dos Estados Unidos, onde desemprego, mendicância e prostituição coabitam com empresas milionárias. Lembrou que a prestigiosa rede de hotel Waldorf “[...] Não tolera a presença de ‘colored’ em seus salões [...]”. Colored era como os brancos dos Estados Unidos e de parte da Europa se referiam aos negros.

A notícia teve como personagem principal o então ministro da agricultura do Haiti, François Georges, que viajou aos EUA como convidado de honra da Associação Nacional dos Comissários da Agricultura para participar da Conferência Nacional de Agricultura, que se reuniu em Biloxi, no Mississipi, de 9 a 13 de setembro.  Barbosa Melo escreveu: “[...] Todos devemos saber que o sr. François é negro, pois é haitiano. É natural, portanto, que os estadunidenses também o soubessem. Mas não sabiam. [...]”.

Aconteceu que nenhum hotel o aceitou como hóspede, por ser negro. “[...] Sem ter onde dormir, só lhe restava um recurso. Procurar a secretaria da Conferência, que já havia sido inaugurada, a fim de que a mesma solucionasse aquela situação. Também não foi possível [...]”. Diante do ocorrido, o ministro da Agricultura do Haiti regressou a Washington, onde reportou o fato para a imprensa.

Para concluir, em tom de ironia, o autor escreveu “[...] Os Estados Unidos são uma grande democracia, mas sem negros. Forma de governo, aliás, perfeitamente compatível com a civilização cristã que todo o continente exalta e admira [...]”.  

Sobre a publicação – A Revista Panflêto foi uma publicação alternativa que circulou entre 1947 e 1983. Editada pela Editora Panfleto, de propriedade do jornalista Lourival Coutinho, o periódico teve várias fases, sendo uma delas sob a responsabilidade do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que em comum acordo com a Editora, em 1964, utilizou a já conhecida publicação para fazer circular suas ideias.

Na primeira fase, em 1947, a Revista Panflêto foi dirigida por Lourival Coutinho e pelo também jornalista Joel Silveira, militante de esquerda responsável por grandes reportagens, posteriormente transformadas em livros. No primeiro momento, a epígrafe da Revista era “Sempre a verdade, fira a quem ferir”.

Na terceira fase, já no quinto ano de existência, a publicação voltou sem epígrafe e sem o acento circunflexo. Mas, segundo Lourival Coutinho, em editorial da edição n. 1, primeira semana de setembro de 1953, “[...] Nosso objetivo é o de todos os brasileiros dignos e livres: ser uma República sem traições, em que os homens decentes e limpos não sejam meras intermitências [...]”. Naquele novo momento, a Revista era dirigida por Lourival Coutinho e pelo influente jornalista Edmar Morel.

Panfleto era uma revista de política. Mas suas matérias também focavam questões sociais, como a relatada acima. Por ser uma publicação alternativa, trabalhava com artigos de colaboradores, entre os quais, personalidades como Jorge Amado, Orígenes Lessa, Abdias Nascimento, Josué de Castro.

*Genira Chagas é jornalista e doutora em Ciência Política

Racismo ambiental, uma das múltiplas faces do racismo

 

Vívian Tatiene Nunes Campos*

 

Possivelmente você já deve ter ouvido falar em racismo estrutural. Se ainda não, Sílvio Almeida (2019) nos explica que o racismo no Brasil tem como característica ser estrutural, porque está na estrutura, na base de formação de nossa sociedade. Ele compreende que o racismo está inserido em um processo histórico e político que estabelece um campo propício para que os grupos raciais considerados minoritários representativamente sofram a discriminação de maneira sistemática. Segundo Almeida, o racismo estrutural transcende o racismo individual e o institucional, pois nunca pode ser observado como um simples “ato isolado” de um indivíduo.  

 

Pois bem, inserido dentro dessa engrenagem do racismo, há, dentre outras, uma “face” que ainda não é muito conhecida pela maioria das pessoas; estou me referindo ao racismo ambiental. E agora você pode estar se perguntando, mas por que essa adjetivação “ambiental”?

 

Em um primeiro momento, a expressão pode parecer incomum, mas é mais familiar do que imaginamos. Esse conceito abrange as questões referentes à saúde e ao meio ambiente e é transversal às condições sociais, de gênero e de raça, por exemplo.

 

Já notou que as notícias sobre enchentes, deslizamentos, rompimentos de barragens, contaminação e desmatamento, por exemplo, frequentemente têm como cenário locais onde, em sua maioria, a população é composta por pessoas negras, indígenas, ribeirinhas ou pertencentes a outros grupos étnicos vulnerabilizados? Pois então, isso mostra que as questões ambientais também podem se relacionar com a discriminação racial.

 

Este termo foi empregado nos anos de 1980 e pode-se dizer que é relativamente recente e ainda um pouco restrito ao campo acadêmico ou da militância. No entanto, em janeiro de 2024, o conceito circulou no Brasil de forma mais intensa pelas redes sociais, na mídia convencional e nas buscas pela internet, em decorrência de uma postagem da Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, no X (antigo twitter), em que ela atribuía ao racismo ambiental os intensos impactos causados por fortes chuvas que atingiram o estado do Rio de Janeiro, naquele período do ano, ocasionando a morte de 12 pessoas e deixando milhares desalojadas e desabrigadas. 

 

O posicionamento dela suscitou diversos debates, questionamentos e demonstrou desconhecimento por parte de muitas pessoas sobre o que é racismo ambiental. Mais à frente apresentarei melhor este e outros exemplos. 


 

Um pouco de história  

 

Oficialmente a expressão foi empregada pela primeira vez na década de 1980 por Benjamin Franklin Chavis Jr. (1948 -), químico, reverendo e liderança do movimento dos direitos civis nos Estados Unidos. Na juventude, Chavis foi assistente de Martin Luther King Jr. (1929 – 1968). Já a fundamentação epistêmica e o debate sobre o conceito de racismo ambiental, em interlocução com o da justiça ambiental foi complexificado pelo sociólogo estadunidense Robert Bullard (1946-) um dos responsáveis pela redação histórico-territorial desse conceito e que há mais de 40 anos faz parte do movimento de enfrentamento ao racismo ambiental e pela justiça ambiental. 

 

Chavis (1993), no prefácio de “Confronting environmental racism: Voices from

the grassroots” (Confrontando o Racismo Ambiental: vozes das bases), editado por Robert Bullard, define que o racismo ambiental é a discriminação racial na formulação de políticas ambientais e na aplicação de regulamentos e leis. Ele entende que é em razão do racismo ambiental que o descarte de lixo tóxico e a localização de indústrias poluidoras, por exemplo, serão direcionadas para as comunidades formadas por pessoas não brancas (negras, latinas, asiáticas, indígenas etc.).

 

Bullard (1993) explica que o racismo ambiental é legitimado pelas próprias instituições e governos, porque é com base nesse modo de pensar que as decisões de planejamento ambiental são normalmente tomadas. Conforme ele, diversos estudos já comprovaram que a probabilidade de comunidades brancas serem expostas a riscos ambientais e de saúde são quase sempre menores, se comparadas a outras populações, especialmente as negras e indígenas.

 

Voltando ao contexto de criação, a expressão foi utilizada por Chavis em meio a protestos da população contra depósitos de resíduos tóxicos no condado de Warren, Carolina do Norte (EUA), onde a maioria da população era negra.  Os habitantes do se organizaram para protestar contra o descarte de resíduos de policlorobifenilo (PCB). Os PCBs eram amplamente usados em tintas, plásticos, adesivos, entre outros e cientistas descobriram que, se fossem inalados ou absorvidos pela pele, os produtos químicos poderiam causar defeitos de nascença, câncer e outras doenças em vários órgãos do corpo humano.

 

Essas manifestações ganharam visibilidade e chegaram ao conhecimento de importantes lideranças negras de todo o país, que começaram a questionar a “coincidência” de que os locais onde mais se eliminavam resíduos tóxicos, fossem exatamente aqueles onde residiam as pessoas não brancas.

 

Em razão daquelas denúncias, um relatório foi preparado em 1983, pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, em inglês) e apontou que nos oito estados do sul dos EUA, 75% dos depósitos de rejeitos, ou seja, 3 de cada 4 depósitos, estavam concentrados em bairros com população predominantemente negra, apesar desse grupo representar apenas 20% dos habitantes da região. 

 

Cenário brasileiro

 

Agora pensando o racismo ambiental dentro de nossa realidade brasileira, ele diz do processo de discriminação que populações marginalizadas (negras, quilombolas, comunidades indígenas e ribeirinhas, por exemplo) sofrem em razão da degradação ambiental. Evidentemente, os impactos ambientais que acontecem em nosso país irão afetar a população como um todo, mas quanto maior for a vulnerabilidade, que é acentuada pelas questões de raça, classe, regionais e de gênero, maiores serão os efeitos ambientais que a população irá vivenciar. 

 

A jornalista, doutora em história (UFF) e coordenadora-executiva do projeto “Mapa de conflitos envolvendo injustiça ambiental e saúde no Brasil”, Tânia Pacheco (2020) interpreta o Racismo Ambiental como “injustiças sociais e ambientais que recaem de forma implacável sobre grupos étnicos vulnerabilizados e sobre outras comunidades, discriminadas por sua ‘raça’, origem ou cor” (PACHECO, 2020).

 

Conforme Pacheco e Faustino (2013), para tratarmos do racismo ambiental dentro da realidade brasileira, é essencial reconhecer a questão racial e o etnocentrismo como problemas centrais do país. De acordo com eles, esse reconhecimento permite caracterizar a problemática racial e étnica tanto como fator de produção das injustiças que tais grupos enfrentam, quanto como elemento da constituição dos poderes políticos, econômicos e culturais dominantes, que controlam a implementação e o funcionamento das atividades econômicas (PACHECO e FAUSTINO, 2013, p.74).

 

Mas também reconhecem que construir essa percepção é algo bem complexo em nossa cultura. Isso porque, diferente da realidade e histórico dos Estados Unidos, marcados pela segregação racial, o que determinou que a questão racial fosse mais delimitada, convivemos no Brasil com uma crença social de que vivemos em uma suposta democracia racial, pois nosso país é miscigenado, e que, em razão disso, seria impossível existir o racismo. O que sabemos não acontece de fato.

 

Com um olhar mais atento sobre nossa cidade, região ou bairro, conseguiremos identificar exemplos de racismo ambiental em nosso dia a dia.  Vamos pensar, por exemplo, onde comumente estão instalados os aterros sanitários?  Qual é o perfil dos moradores ao redor desses aterros? E quem são as pessoas que residem no entorno dos distritos industriais? Em que locais, as fábricas preferencialmente são instaladas? Quem são as pessoas que habitam casas de palafita ou em regiões de alagamento? Seria coincidência o fato de que as áreas com maior precariedade na coleta de lixo e no acesso à água e esgoto tratados serem aquelas com predomínio de pessoas não brancas e pobres?

 

Para ilustrar o modo como o racismo ambiental está arraigado e opera em vários aspectos da nossa vida, e em especial no que se refere às questões do meio ambiente, apresento abaixo alguns exemplos de crimes e tragédias ambientais. 

 

Rompimento da barragem da Samarco, em Mariana (MG)- Novembro de 2015.

 

A Barragem de Fundão, de propriedade da mineradora Samarco, controlada pelas empresas Vale e BHP Billiton, rompeu e causou a morte de 19 pessoas e despejou cerca de 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro. Esta foi considerada a maior tragédia ambiental do país e o desastre matou pessoas, engoliu comunidades e plantações, poluiu cursos d’água, deixando um rastro de destruição em toda a bacia do rio Doce, em Minas Gerais, com reflexos até a foz do rio, no estado do Espírito Santo, e no oceano Atlântico.

Do total de vítimas, 84% eram pessoas negras, conforme estudo do pesquisador Luiz Jardim Wanderley, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Segundo o levantamento, o número de impactados não quantificados poderia incrementar ainda mais esses dados.

 

 

Crédito: Antonio Cruz/ Agência Brasil

 

Rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho- Janeiro de 2019

 

O desastre provocou a morte de 272 pessoas - incluindo dois bebês, de duas mulheres grávidas -, representando um dano irreparável. Em abril de 2024, três “joias” (como as vítimas do rompimento são chamadas) ainda eram buscadas pelo Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais. 

 

Das localidades atingidas, 58,8% dos que estavam no Córrego do Feijão eram populações não-brancas e, no Parque de Cachoeira, o número sobe para 70,3%, de acordo com o Censo do IBGE de 2010. Isso sem contar os 11,7 milhões de metros cúbicos de lixo tóxico e lama que se espalharam por uma área aproximada de 300 km, alcançando comunidades rurais, povos tradicionais e bairros urbanos em 26 municípios ao redor.

 

Outro estudo, realizado pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e pela Christian Aid, identificou violações de direitos humanos contra as mulheres que se seguiram ao desastre de Brumadinho durante os trabalhos de reparação. Entre elas estão a falta de acesso à água suficiente para usos domésticos e do dia a dia, para seu sustento, trabalho e saúde mental.
 

 

Crédito :Antonio Cruz/ Agência Brasil

 

Chuvas no Rio de Janeiro- Janeiro de 2014

 

Em janeiro de 2024, fortes chuvas atingiram o estado do Rio de Janeiro, em especial a baixada fluminense, ocasionando a morte de 12 pessoas, 9 mil desalojados, 300 pessoas desabrigadas, ruas alagadas e casas destruídas. Naquela ocasião, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, atribuiu os impactos causados pelas chuvas na região ao Racismo Ambiental. Em contraponto surgiram algumas reações que discordavam da fala dela, demonstrando inclusive o desconhecimento sobre o conceito de racismo ambiental. Tal debate foi fomentado nas redes sociais, na mídia convencional e nas buscas pela internet. 

 

Naquela ocasião, a Agência Brasil (EBC), por exemplo, produziu uma matéria específica para explicar a relação do racismo ambiental, com as enchentes no Rio de Janeiro e outros veículos midiáticos também trataram do tema.

 

 

 

 

 

Crédito: Fabiano Rocha/O Globo

 

Tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul- abril/maio de 2024

 

As fortes chuvas atingiram o Rio Grande do Sul desde o fim de abril de 2024 causando estragos que ainda não foram calculados. As inundações afetaram 478 cidades, o que corresponde a mais de 90% dos municípios gaúchos, com mais de 2 milhões de pessoas impactadas. O volume de chuva passou de 800 milímetros em mais de 60% do estado, deixando mais de 500 mil pessoas desalojadas, ou seja, tiveram que sair de suas casas. Até o momento, conforme dados da defesa civil do Rio Grande do Sul- dados de 01/07/2024- foi registrada a morte de 179 pessoas; 806 feridos e 33 pessoas ainda estão desaparecidas. 

 

Mapas produzidos pelo Núcleo Porto Alegre do Observatório das Metrópoles mostram uma demarcação muito clara de desigualdade de renda e de raça nas pessoas que foram mais atingidas pela catástrofe. As áreas mais alagadas foram, principalmente, as mais pobres, com impacto proporcionalmente muito maior sobre a população negra, que representa cerca de 21% dos habitantes do estado, segundo o Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

 

Nesse caso, as áreas que mais sofreram com as inundações apresentam concentração expressiva de população preta e parda, geralmente acima da média dos municípios. É o caso de bairros como Humaitá, Sarandi e Rubem Berta, em Porto Alegre, e de Mathias Velho, em Canoas.  As pessoas pretas e pardas, por exemplo, representam quase 21% da população gaúcha, mas são 32,3% entre os mais pobres. 

 

Assim, esses são alguns exemplos que nos ajudam a perceber que a relação entre território, impactos das ações humanas no meio ambiente podem ocasionar o aprofundamento e a precarização da vida de parcelas específicas da população- pessoas negras, indígenas, ribeirinhas e pobres- especialmente, constituindo o que denominamos como racismo ambiental. 

 

 

 

Crédito: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini 


 

*Jornalista e doutora em comunicação social pela UFMG

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Racismo Policial: Uma Ferida Aberta na Sociedade Brasileira

Racismo Policial: Uma Ferida Aberta na Sociedade Brasileira
Recentemente, uma notícia me chamou a atenção: filhos de diplomatas foram vítimas de mais um caso de violência policial no Rio de Janeiro. Caminhando pelas ruas de Ipanema, um dos bairros mais caros do Brasil, avaliado em R$20.818,00 por metro quadrado de acordo com a Info Money, os jovens foram abordados por policiais armados, tiveram pistolas apontadas para suas cabeças e foram humilhados publicamente.
Esse evento me trouxe à memória uma situação semelhante que vivi em Volta Redonda, onde minha família reside. Era por volta das 21h-22h, e eu voltava do pré-vestibular quando fui abordado por dois policiais, um negro e outro branco. A rua, normalmente tranquila, foi preenchida pelo tom autoritário de suas vozes:
O que você está fazendo aqui?
Da onde você veio?
Deixa eu ver a sua mochila!
Sem encontrar nada suspeito, despejaram o conteúdo da minha mochila no chão. Alegaram que eu deveria ter cuidado, pois o bairro estava perigoso, e retornaram para a viatura. Exausto, recolhi meus pertences e me perguntei: estava andando rápido demais? Vestia algo inadequado? Qual era o problema comigo?
Essas situações não são isoladas. Segundo um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, jovens negros têm quase três vezes mais chances de serem abordados pela polícia em comparação a jovens brancos. O preconceito racial está enraizado nas instituições, perpetuando um ciclo de violência e discriminação.
Vivendo em um sistema meritocrático, o Matheus de 19 anos acordava às 5:30 da manhã para pegar condução para o colégio e retornava do pré-vestibular às 21:00. O Matheus merecia aquela abordagem? Esses jovens negros abordados em Ipanema mereciam toda essa truculência militar?
Cinco anos depois, agora jornalista, financeiramente independente, com mais bagagem cultural, as cores azul e branca das viaturas ainda me causam pânico e ansiedade. O motivo é claro: racismo, despreparo e o status quo que rege nosso país. O impacto psicológico dessas abordagens é profundo. A constante sensação de ameaça e a desconfiança nas forças de segurança corroem a confiança no Estado e nas suas instituições.
Para além da minha experiência pessoal, a violência policial contra negros é um reflexo de uma história de racismo institucionalizado. Desde os tempos coloniais, as forças de segurança no Brasil foram criadas para proteger os interesses da elite branca, reprimindo e controlando a população negra e pobre. Mesmo após a abolição da escravatura, essa lógica de controle e exclusão permaneceu.
Precisamos de uma reforma profunda nas instituições policiais, que inclua não apenas treinamento em direitos humanos, mas também uma mudança cultural que desafie e desfaça preconceitos raciais. Além disso, é fundamental a implementação de políticas públicas que promovam a igualdade racial e a inclusão social.
A sociedade também tem um papel crucial. É necessário que todos se levantem contra a injustiça, independentemente de quem seja a vítima. Casos como o dos jovens diplomatas em Ipanema ganham destaque pela posição social das vítimas, mas a violência cotidiana contra negros pobres continua invisível.
O combate ao racismo policial exige um esforço conjunto e contínuo. Somente assim poderemos construir um país onde todos, independentemente de cor ou classe social, possam viver com dignidade e segurança.

Matheus Convençal

 

Bio:ornalista carioca recém-formado, amante de samba, rap, super-heróis e ciências sociais. Apaixonado por contar histórias que revelam a alma da cidade, busca unir cultura, música e sociedade em suas reportagens. Entusiasta das causas sociais, acredita no poder transformador da informação e na importância da justiça social.
 

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Este site foi construído por um grupo de alunos do curso de extensão Diversidade, inclusão e novos formatos no jornalismo pós-cultura digital, oferecido pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em parceria com a Rede Jornalistas Pretos pela Diversidade na Comunicação. As questões abordadas nessa página digital, resultado do trabalho final exigido pelo curso, refletem os temas debatidos durante os quatro meses que durou o projeto da UFRJ. Boa leitura!

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